sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Trilogia do Zé

Por Walter de Azevedo




Os que me conhecem, sabem que adoro filmes de horror. Não aqueles tipo Jason, com muito sangue e tripas, mas horror psicológico, com casas assombradas, como o ótimo The Haunting (1964), de Robert Wise, ou então os clássicos filmes envolvendo possessões. Como amante do gênero, eu carregava uma culpa ou pelo menos, estava em falta com o maior ícone brasileiro do horror: José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

Quando eu era pequeno, por volta dos dez anos, lembro que a Band tinha uma sessão de filmes apresentada aos sábados à noite e intitulada Calafrio. Ali eu vi alguns dos filmes mais grotescos da minha vida. Monstros de borracha, defeitos especiais, etc. Até na minha visão de criança, eu sabia que aquilo tudo era muito ruim, mas numa época em que ainda não existia TV a cabo, não havia muitas opções para quem gostasse de filmes de terror. Em um desses sábados, a Band exibiu Exorcismo Negro (1974), de José Mojica Marins. Eu já havia ouvido falar do Zé do Caixão e resolvi assistir para ver como era um filme de horror nacional. Exorcismo Negro não é um filme com o personagem Zé do Caixão, mas é dirigido e estrelado por Mojica. Na história, o próprio Mojica vai passar férias em uma fazenda que acaba sendo envolvida em uma maldição e os moradores, pouco a pouco, começam a ser possuídos por demônios. Apesar de alguns efeitos pobres, Exorcismo Negro é excelente e ficou, durante muito tempo, como um dos mais assustadores filmes de horror que eu já havia assistido. Mesmo ficando impressionado, levei mais de vinte anos para conferir as obras que fizeram a fama de Mojica, o seu emblemático personagem Zé do Caixão. No final de semana passado, resolvi me redimir desse erro.

O coveiro assassino apareceu pela primeira vez em 1964, no filme À Meia Noite Eu Levarei Tua Alma. Na história, Zé (José Mojica Marins) é um homem sem crenças, que acredita apenas na força do sangue. Sem temer Deus ou o diabo, Zé do Caixão quer encontrar a mulher perfeita para poder gerar o seu filho. Por causa disso, muitas mortes acontecem. Na segunda parte da trilogia, À Meia Noite Encarnarei No Teu Cadáver (1967), a busca pela mãe de seu filho e os assassinatos em série, com requintes de crueldade, continuam.

À primeira vista, os dois filmes são risíveis. Claro que, na época, todos os artifícios podem ter sido assustadores e devemos fazer o exercício de tentar ver as duas histórias com esses olhos. Hoje em dia, é impossível não se divertir com a péssima interpretação do elenco e com roteiros muito forçados, com diálogos que fogem do coloquial, mesmo com as tramas se passando na atualidade, no caso, o ano de 1964. No entanto, isso tudo não apaga o enfoque central da história. Mesmo com o sangue falso e os efeitos dignos de TV Pirata, a obra de José Mojica levanta a questão da eterna briga entre o racionalismo e a fé. Zé do Caixão é um cético, duvida da existência de Deus e do diabo e acredita apenas na força do sangue, no homem como o ser supremo e responsável por tudo o que acontece no mundo. Em sua concepção, somente encontrado uma mulher que pense como ele, poderá ter o filho perfeito, aquele que salvará a humanidade do misticismo, da acomodação causada pela crença de que Deus olha por todos. Na verdade, a criança prometida é uma analogia com a própria história de Jesus. O filho de Zé do Caixão é um Cristo às avessas, que nasceria para provar a não existência de Deus.

Em 2007, Mojica resolveu terminar a sua trilogia, filmando Encarnação do Demônio. Zé do Caixão, após passar quatro décadas na cadeia pelos assassinatos que cometeu, sai e recomeça a sua busca pela mãe de seu filho. Com produção e efeitos muito melhores e um elenco experiente, com nomes como Luis Mello, Jece Valadão, Milham Cortaz, Rui Rezende e Cristina Aché, Encarnação do Demônio apresenta um Zé mais controlado e carismático. Os antagonistas do coveiro talvez sejam piores do que o próprio, o que faz com que o público acabe torcendo por ele, mesmo com as atrocidades que ele comete no desenrolar da história.

No frigir dos ovos, mesmo que os primeiros dois filmes lhe façam rir, recomendo que assistam à trilogia. Se não pelo interesse na história, ao menos para ver o surgimento de um dos mais emblemáticos personagens do cinema nacional, o famigerado Zé do Caixão.

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