quarta-feira, 6 de abril de 2011

Toca Raul



Hoje é aniversário do meu pai. O grande Eufrásio (esse é o nome dele), completa hoje 54 verões. Por que falo verões? Ah... os verões são bem mais ensolarados, mais quentes que as tímidas e açucaradas primaveras. Acho que quem completa primaveras tem uma vida mais tímida, mais regrada, sabe? Isso definitivamente não combina com meu verborrágico e sincero pai. Este fala alto, fala grande; é grande e completa verões. Ele é tão grande que chega a ser um semi-deus. Ou mesmo um Deus. Carrega sóis todos os dias como Apolo, pragueja trovoadas todos os dias como Zeus e 'se traz' todos os dias pra mim e pra minha mãe como uma boa nova vinda de Hermes. Eu o amo muito. Não só porque ele é meu sol, meu Zeus, mas principalmente porque ele é meu pai.
Discordamos em muitas coisas. Pra falar a verdade discordamos em tudo. Até no ABBA, que somos fãs... eu prefiro a loira; ele, a ruiva. Somos uma deliciosa contradição por estarmos tão longe e tão próximos. Não só porque ele é meu sol, meu Zeus, mas principalmente porque ele é meu pai. (FALHA NA MATRIX). Acho que é justamente o fato de estarmos distantes que nos faz estarmos tão perto um do outro. E isso fica claro toda vez que paramos pra conversar e ele usa a pesada mão que ele tem pra me fazer um doce afago nos meus cabelos. Nesses momentos eu penso: 'tenho os dedos de Deus na minha cabeça... mereço tanto?'. Não. Ele merecia um filho melhor, claro. Ele só tem esse aqui, gasto, cheios de remendos. Mas suficientemente vivo para dizer que o adora. Sim ele é Deus. E eu sou louco. (Obrigado por essa frase, Paula Toller... )

Há algum tempo, escrevi uma crônica inspirada nele e numa de suas (minha também) paixões, o vinil, para um projeto jornalístico da faculdade. Até hoje não mostrei esse texto para 'minha musa'. Não que tenha alguma passagem que o desmereça, que o diminua; eu simplesmente não quis mostrar. E talvez não mostre nunca. Tenho algumas frescuras quanto a textos meus inspirados em outras pessoas, nunca quero que elas vejam... Mas vocês... ah, vocês podem! Vocês são minhas exceções... O nome é "Toca Raul!". Leiam que vocês vão entender o clichê. Ah! Mais uma vez e sempre: te amo pai. Seja meu sol por mais 54.000 verões.

Seis da manhã e o seu relógio biológico, terrivelmente pontual, o faz acordar. A testa enruga e as pernas riscam a cama de um jeito feroz, jogando o cobertor debaixo do colchão. O inevitável aconteceu: o dia raiou. Levanta, rogando pragas para Deus e o mundo. Faz o caminho até o banheiro proferindo mais pragas e chega até a chaleira na cozinha dizendo mais algumas. Enquanto o café ferve, lava e xinga a pobre louça; por vezes quebra alguma xícara e lá vamos nós com mais pragas. Tritura o pão com salivas e lamentos de “um homem que trabalha pra cacete”. Beija a mulher com um “foda, tenho que trabalhar agora?” nos olhos. Leva o filho até a escola pensando em problemas que teve, tem e vai ter. No trabalho, enquanto as máquinas procuram pequeninos meatos nas peças de ferro, rumina “porra... e se eu tivesse passado naquele vestibular?”. Volta pra casa e lamenta “merda... poderia ter ganhado no bicho hoje”. Atravessa o quarto, a cozinha e o banheiro, larga carteira e chaves em algum lugar sólido. Chega no escuro quarto dos fundos. E com um brilho interjetivo nos olhos, lança: “você!”. A velha vitrola ainda está lá. Louco está, para que aquela agulha afiada destrinchasse sua alma através do som das trilhas do vinil. Surdo de frustrações, ansioso para as tais ondas invisíveis encantem seus ouvidos. Olha para as grandes e brilhantes capas de papel e as observa com cuidado. Separa algumas e retribui o sorriso que algumas delas trazem. Puxa a velha bolacha de dentro daquele doce pacote. Roberto, McCartney, Simon, Jackson, Brown, Garfunkel, Gonzaga, Jobim e Raul tocam e numa súbita epifania ele pensa: “caralho... sou feliz agora”.

4 comentários:

  1. Meu amigo, você escreve uma coisa mais linda do que a outra. Pode ter certeza que o teu "Zeus" deve ter muito orgulho do "Hércules" dele .

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  2. Gente, que lindo... E ainda ousa dizer que não tá inspirado, ora essa!
    Parabéns pra você pelo texto e pro seu pai pelos 54 verões! =)

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  3. Ah, acho sacanagem que ele não veja! Mostra, vai! Tenho certeza que ele ia ficar super lisonjeado.

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  4. se era p gente chorar parabéns, vc conseguiu!

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