quinta-feira, 14 de abril de 2011

Nada se perde, não é mesmo?

Nesta semana reciclo mais um texto meu. Prometo que quinta que vem vou encontrar algo que preste como inspiração para escrever.

Vocês vão ler desta vez uma crônica que escrevi para a cadeira de Jornalismo Impresso, ano passado. Se chama "Molhado" é a minha primeira incursão no gênero então, me perdoem pelo amadorismo. Boa semana a todos!


“Será água?”, pensou espantado.

Há muito que não via uma poça líquida, naquele solo já esturricado de dias, meses. Pensava que nunca mais sentiria o tato ensopado novamente como agora.

“Vai matá a secura de tudo, meu Deus!”, disse para o Altíssimo. Sentiu algo molhado mais uma vez. Eram os olhos, encharcados como estava a mão, do mesmo líquido tão precioso. Noite alta e os pássaros da escuridão davam seus pios.

“Vou matá a secura do meu boi, dos meus filho!”, disse mais uma vez para Deus.

Espantados também estavam os cinco pequenos que haviam descoberto aquele pedaço molhado de terra no quintal de casa, antes do pai voltar de sua viagem diária em busca de água. Agora estava borbulhando diante de suas pupilas sedentas, fracamente encadeadas pelo lampião que se recostava numa cadeira perto da velha porta.

“Vou matá a minha secura!”, disse para si.

Espantada também estava a mulher que carregava um sexto pequeno no ventre, vulto de uma incerteza.

“Ninguém vai morrê. Só a sede que vai!” exclamou finalmente em voz alta, na calada da noite.

Mas aquele molhado era diferente, viscoso. Tal qual baba de quiabo. Receoso, aproximou a mão das narinas, bêbadas do perfume da seca. Um cheiro denso e desconhecido subiu no céu negro do sertão.

“Isso daqui não é água...”, piou num fio de voz, tal quais os pássaros da escuridão que se faziam mais perto. Ou mais audíveis.

Os lábios da mulher se contraíram para conter o choro que vinha. Toda a esperança tinha ido embora. Os cinco pequenos tentavam entender o que se passava. O sexto pequeno do ventre, envolto em líquidos, não se preocupava com água ainda. O desespero se apossou do homem, como a seca tinha se apossado daqueles sertões. As tantas horas, os tantos dias de procura em suas longas caminhadas pesavam como chumbo em suas costas. As pernas tremeram e logo dobraram, fazendo com que ele ficasse ajoelhado diante daquela poça densa. Quis perguntar “Por quê?”, mas nessa hora esqueceu-se Daquele Homem (agora tão distante) pra quem mandava preces todas as manhãs antes de sair.

“O que eu vô dar de bebê pros meus filho? O que eu vô dar de bebê pra minha mulhé? O que eu vou dar de beber pra eu?”, disse atropelando as lágrimas que lhe escorriam. Lambeu o rosto antes que secassem. Num gesto doido e sedento, levou os dedos a boca. Cuspiu.

“Pai, tua mão tá preta!”, exclamou o mais velho, correndo para a porta, iluminada pelo um lampião de fogo tímido.

“Argh! Nunca vi poça brotano ólho escuro!”, exclamou o homem, escarrando. Nunca mais aquele gosto amargo e negro do petróleo sairia da sua boca.

3 comentários:

  1. Se foi a sua primeira incursão, começou bem demais. Pra variar, mas um lindo e sensível texto.
    Parabéns, meu amigo!

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  2. Muito bom - e inspiradíssimo! - o texto, viu? ;-)

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