quinta-feira, 31 de março de 2011

Tem alguém escolhendo por você!


Na nova proposta do blog, pedi aos colaboradores que falassem o mínino possível sobre televisão, já que existem outros especializados no tema. Meu primeiro texto da nova fase falaria sobre outra coisa, mas devido a um determinado acontecimento, tive de mudar meus planos. Terei de falar sobre televisão, ou pelo menos começar o texto falando sobre televisão, já que a coisa vai muito além disso.

Na sexta feira, 25 de março, o SBT apresentou, às pressas, o último capítulo da novela Camaleões, que era apresentada às 15h45. Na verdade não foi o último capítulo e sim uma compilação feita para dar uma conclusão à história, que não poderia continuar no ar. Que Sílvio Santos costuma mexer na grade sem nenhum tipo de critério ou respeito aos telespectadores, não é nenhuma novidade. Acontece que, dessa vez, o homem do baú não teve culpa. A novela teve de apresentar seu final antes do tempo ou seria retirada do ar por ordem do Ministério Público.

A novela apresentava, segundo o MP, conteúdo impróprio para ser apresentado naquele horário, mostrando consumo de drogas “lícitas”, insinuação de uso de drogas ilícitas, consumo de bebidas alcoólicas por parte de adolescentes e assassinato. A opção dada ao SBT, seria apresentar Camaleões às 20h, obrigando a emissora a mudar completamente a sua grade de programação.

O Ministério Público, na verdade aqueles que se usam da força e da legitimidade desse órgão, começam a mostrar contornos preocupantes de censura. Infelizmente, para os que acompanham os bastidores da televisão, isso também não é novidade, mas dessa vez a coisa foi mais além do que estamos acostumados a ver. Nem mesmo na época da ditadura militar, pelo menos não que eu me lembre, vi uma novela ter de ser retirada do ar dessa forma. Roque Santeiro e Despedida de Casado foram proibidas de estrear, mas não tiverem suas apresentações interrompidas enquanto estavam no ar.

Como não sou de ficar apenas reclamando, e tenho medo de acabar me perdendo em divagações, vamos aos fatos envolvendo Camaleões. Em primeiro lugar, as pessoas que monitoraram (essa palavra me causa arrepios) a novela, alegam que existe consumo de drogas lícitas. Bem, se são lícitas não existiria nenhum problema, correto? Ou então o Ministério Público tomaria uma atitude para que elas se tornassem ilícitas. Se o governo aprova, como pode impedir que isso seja mostrado alegando ser mau exemplo? No “quesito” adolescentes consumindo bebidas alcoólicas, esses senhores do MP realmente acreditam que isso é uma deturpação da realidade? Em que mundo eles vivem? Será que nunca freqüentaram nenhuma festa, foram a algum show ou, melhor ainda, não sabem o que os próprios filhos fazem quando saem de casa? Será que são tão ingênuos assim? Pior, acreditam realmente que, caso isso seja mostrado na televisão, vai influenciar as pessoas a fazerem o mesmo, sendo que o exemplo vivo, no dia a dia, dos amigos e dos próprios pais, é muito mais presente? Optei por não falar sobre o item assassinato, ou teríamos de proibir os gibis de Mickey Mouse, o ratinho detetive. Sempre achei Mickey um subversivo....

Agora que já falei sobre televisão, vamos a um ponto mais importante nessa discussão. Quem escolheu e, principalmente, quem deu o direito de alguém escolher e decidir o que você pode ou não assistir? Nunca fui consultado sobre isso. Quando votamos, elegemos pessoas para administrarem o país. Exatamente, são cargos administrativos. Em nenhum momento eu dei permissão pra que alguém resolvesse a que tipo de conteúdo cultural ou informação, eu teria acesso. Se faço isso, se concordo com uma atitude dessas, o que estou dizendo é que sou menos cidadão do que outra pessoa. Sim, pois ela vai ver, ela vai decidir e escolher. Ela pode impor a vontade dela, e a mim só cabe aceitar. Como assim? Mais uma dúvida. Quem são essas pessoas? Qual o nível intelectual delas? Que parâmetros elas seguem nas suas decisões?

No livro “Autores”, Sílvio de Abreu comenta sobre os problemas que teve com a liberação do primeiro capítulo de Vereda Tropical, novela que escreveu com Carlos Lombardi em 1984. No dia da estréia, os dois estavam em Brasília tentando impedir os 32 cortes que impediriam o capítulo de ir ao ar. Até mesmo uma cena em que Paulo Guarnieri fazia o gesto de dar uma “banana” havia sido proibido. Os autores conseguiram liberar o capítulo e, na saída, uma das censoras disse a seguinte frase a Sílvio de Abreu: “Sabe o que é, seu Sílvio? O senhor fez uma novela tão bonita antes, Guerra dos Sexos. Gente fina, com roupa de pele, gente tão bonita. Agora o senhor faz essa novela de gente pobre? Gente pobre é muito feio, deseduca o povo”. Coloquei essa pérola pra mostrar como funciona cabeça de censor. Existe também o episódio em que Gilberto Braga é proibido de escrever a palavra “escravo” em Escrava Isaura. Segundo a censora, a escravidão deveria ser retirada dos livros de história. Como essa gente é escolhida para decidir o que nós podemos ver? Qual é o embasamento deles? Você quer que uma pessoa com esse tipo de pensamento decida a que a sociedade pode ter acesso?

Claro que eu sei que a situação é outra, que o cenário político é diferente, mas é assim que as coisas começam. Não pensem também que eu sou algum radical de esquerda que vê o fantasma da ditadura em todos os lados. Na verdade até acho política uma coisa bem chata, pelo menos nos moldes em que é feita. Só que isso não quer dizer que eu ignore os meus direitos de cidadão. Eu sei o que é bom pra mim, eu sei o que quero e posso ver na televisão, ler nos jornais e revistas, ouvir nos rádios. Não sou criança. Não preciso de ninguém dizendo que saber tal coisa não vai ser bom pra mim. Não estou acostumado a isso. Na minha casa, eu e minha irmã nunca fomos proibidos de ver, ler ou ouvir nada. Tudo era conversado. Com as minhas sobrinhas acontece a mesma coisa. Não aceito uma coisa dessas!

Pra terminar, o que mais me espanta, é a completa apatia da sociedade diante disso. Parece que ninguém vê, ninguém sabe que essa censura velada esteja acontecendo. E assim as coisas vão tomando formas, no meu ponto de vista, um tanto sombrias.

Abra o olho!! Tem alguém escolhendo por você.


18 comentários:

  1. Classificação Indicativa é censura disfarçada. É absolutamente inadmissível que instâncias governamentais decidam o que se deve passar na casa de casa um de nós. Os pais não devem ser omissos a ponto de transferir para o governo a responsabilidade de educar os próprios filhos. e viva o controle remoto! Belíssimo texto! Me encheu de orgulho em ser seu amigo. Parabéns!

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  2. Há uma confusão aí entre proibição e regulamentação. Nenhum conteúdo é proibido, há apenas regras de horário de exibição, para seguir as determinações da convenção internacional de direito da criança. Em todo mundo é assim. Como você mesmo diz, você não é criança, mas esse horário das 15 é um horário onde crianças e adolescentes assistem televisão sem a supervisão dos pais. Para respeitar o direito pátrio de escolher se a criança deve ou não assistir certos conteúdos, e para promover a inclusão de crianças na TV aberta que é concessão pública, existem estas regras. Os critérios são imperfeitos e as regras de conteúdo relacionado a drogas são as mais problemáticas. Mas o critérios e regras vão mudar, está aberta a consulta pública que irá virar uma nova portaria: http://culturadigital.br/classind/

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  3. Walter seu texto é maravilho e estamos vivendo um retrocesso na sociedade tb, estamos vivendo uma nova onde de conservadorismo, de hipocrisia, de excessos moralistas, de agressões nas ruas, uma falsa liberdade, ainda há tempo de revertermos isso! textos como esse são um exemplo. Deve e merece ser muito divulgado!

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  4. Há também confusões no texto sobre Ministério Público e Ministério da Justiça. Quem monitora é Ministério da Justiça, que se identifica violações das regras, aciona o Ministério Público, os dois não tem poder algum de punir, apenas o Judiciário.

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  5. Em todo caso, parabéns por abordar o tema, que é pertinente e precisa ser debatido...

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  6. Em tempo. Sua indignação com o Ministério Público não é bem direcionada. A Classificação Indicativa foi votada como um direito constitucional do cidadão na Constituição de 88, e regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. É obrigação do Ministério da Justiça e do Ministério Público aplicar a lei. Se há revolta, deve ser com as leis aprovadas (em 88 e 92), e a briga, no judiciário.

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  7. Perdão, corrigindo: e a briga, no LEGISLATIVO, não judiciário...

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  8. Ótimo texto, queridão! Muito pertinente a abordagem dessa Censura disfarçada. Vamos nos movimentar e discutir sempre em torno desse assunto! É preciso!

    Parabéns! O blog está cada dia melhor, nessa nova fase.

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  9. Muito bom o texto, Walter! Por acaso, agora mesmo eu estava pensando nessa questão da "classificação indicativa" que está mais para "normativa", já que obriga a programação praticamente inteira a se "pasteurizar" [nem sei se essa é a palavra correta] e na apatia da esmagadora maioria da população. Preguiça de fazer valer o seu direito de escolha usando o controle remoto [se você acha ruim para si e / ou para seus filhos, mude, ignore, bloqueie, enfim; mas se não vê mal algum em que programa X exiba conteúdo Y num horário Z a despeito de qualquer coisa, não é a classificação indicativa que vai impedir você de ver ou de permitir que vejam em sua casa, certo? Até o nome diz que a classificação é INDICATIVA e a pessoa deveria seguir ou não seguir a indicação nos limites de seu lar].
    Enfim, como os meninos disseram, é necessária uma constante discussão em torno do assunto, senão tudo acaba ficando exatamente do jeito que está.

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  10. Não estava sabendo que tinha sido por isso que "Camaleões" teve que sair do ar. O mal disso tudo é as pessoas se acomodarem e acharem que esse tipo de coisa pode ser considerada normal. Infelizmente não são todos que pensam assim. Na época da ditadura todos sabiam da censura. Agora somos poucos que temos ciência dessa censura disfarçada.

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  11. Ótimo texto!
    Por essas e outras é que a nossa TV aberta vai de mal a pior.

    Agora me questiono. Na TV fechada passa todo o tipo de programação A QUALQUER HORÁRIO
    [excluo os canais pornôs e prgs de conteúdo exclusivamente erótico que passam à noite].

    Existe a indicação de público apropriado.
    Mas nada impede essa programação de passar a qualquer horário.

    Não é a mesma coisa? Reflitam.
    Abc.

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  12. Dá-lhe insuportável! Excelente texto... rs!

    Brincadeiras a parte, você realmente tocou num ponto nevrálgico. Que o MP age como um censor disfarçado, todos nós estamos carecas de saber.

    Mas essa é a questão. TODOS NÓS. Grande parte da população, como bem salientou o Daniel, desconhece essa situação. A verdade é que tem muita gente por aí que nem sabe direito pra quê que serve o MP.

    Outro dia, ouvi um comentário que me deixou embasbacado. Tava lá, no meio de uma discussão acalorada na aula de Redação Publicitária, que descambou nem lembro como pro terreno televisivo. E me vira uma criatura que diz que ''a televisão só passa SAFADEZA e ensina O QUE NÃO PRESTA''.

    Isso é sintomático. Até uma pessoa teoricamente instruída (universitário), navega num mar de total incerteza e alienação. Óbvio que na hora, reagi. Afinal, nunca vivemos uma fase tão pudica. Mas esse tipo de comentário serve pra enfatizar o ponto de vista do brasileiro médio, que permanece colonial e envergonhadinho.

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  13. Só uma pergunta: Quando deixou de haver censura no Brasil?

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  14. Olha, Nessa, não sei te responder com precisão. Mas a meu ver, o Brasil atravessou uma fase bem ''livre'' entre 1989 e 2002.

    Super válido o processo de redemocratização. Mas o Collor foi eleito, cagou tudo e teve o impeachment.

    Daí em diante, veio o Plano Real. E por incrível que pareça, o governo FHC foi o mais tranquilo nesse quesito. Os próprios autores concordam. Na época, cada um cuidava de seu produto e vida que segue.

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  15. So hoje li o texto apuradíssimo do Walter, que nos leva mesmo à reflexão...

    Certos assuntos "proibidos" seriam bem melhor recebidos justamente pra fazer "pensar". Tudo é melhor do que simplesmente varrer pra debaixo do tapete...

    Sem mais...meus sinceros parabens - tanto pro texto quanto aos comentários dos colegas

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  16. Ótimo texto, Walter. Já fomos mais liberais sim, mas em poucos momentos chegamos à baixaria real. Um exemplo de como as regras eram cumpridas há 13 anos atrás: http://www.youtube.com/watch?v=E-IYkPA-5UA&feature=related nesta chamada do 'Cinema em Casa', vamos como o SBT alertava que o filme que seria exibido naquela tarde teria 'cenas de terror' e seria impróprio para menores de 14 anos. Você, pai, que estivesse alerta para esse aviso julgaria se seu filho estaria apto ou não para assistir tal filme. Se julgasse que não, era seu dever mudar de canal. Como Nilson Xavier falou, porque isso não pode acontecer hoje, já que a classificação indicativa do MP é tão 'obrigatória'? Quer dizer, estamos cada mais cercados pela justiça brasileira. Apesar disso nossas crianças nunca estiveram tão desprotegidas.

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  17. Ótimo texto, Waltinho!Eu não sabia dessa história de "Camaleões".
    Pensei justamente na questão das TVs fechadas... passam em sua programação diferentes tipos de programas a qualquer horário.
    Mas, falando de TV aberta, as novelas em décadas passadas mostravam cenas de nudez por exemplo, sem nenhum problema. Hoje, qualquer insinuação já é motivo para reclassificar.

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