domingo, 6 de junho de 2010

Medo da dona Odete.




Todo mundo sabe que Vale Tudo foi uma novela de grande sucesso, assim como sabe que Beatriz Segall (que nos observa ai ao lado) deu um show de interpretação no papel de Odete Roitman, umas das mais emblemáticas vilãs da tv brasileira, então, o que vou escrever aqui pode parecer aquela história de chover no molhado, mas eu sou uma pessoa que gosta de chuva. .
Em 1988, quando a novela foi ao ar, eu tinha 17 anos e já conhecia o trabalho de Beatriz através de novelas como Água Viva (1980) e Sol de Verão (1982/1983), mas confesso que nunca havia prestado uma maior atenção nessa grande atriz. Claro que a Lourdes Mesquita de Água Viva era uma vilã presente na minha memória, mas eu não sabia o que viria pela frente.
Vale Tudo começou, mas Odete não, ela não aparecia nos primeiros capítulos, era apenas mencionada, sempre de forma um tanto o quanto "cautelosa" pelos outros personagens. Todos pareciam temer a toda poderosa dona da TCA. Um belo dia, Celina (Nathália Timberg) recebe um telefonema de sua irmã, a esperada Odete, avisando que chegaria ao Brasil. Foi através da seguinte fala que nós todos fomos apresentados a Odete Roitman: "Não Celina, não. Obrigado. Não, meu bem, eu estou viajando acompanhada. Você reserva pra mim a suíte presidencial de um desses hotéis limpinhos ai, de preferência que não tenha um bando de mendigos na porta tentando agarrar a gente. E pede um desconto! Eles dão. Ah Celina, por favor, avise na portaria do hotel que eu detesto ter brasileiros de outros estados passando na porta do meu apartamento, falando português. Essa gente viaja até com criança, às vezes. Quanto menos eu ouvir falar português, melhor." Nos capítulos seguintes, a personagem chegou, pintou e bordou, entrando para a galeria de tipos marcantes da teledramaturgia.
Hoje, aos 39 anos, estou revendo alguns capítulos e cenas da novela e percebi que o que eu sentia com tenros 17 anos, ainda sinto à beira dos 40: Eu tenho medo da dona Odete.
Vilã de novela é uma coisa que todo mundo conhece, todo mundo sabe dos exageros, das caras e das bocas, mas com a dona Odete a coisa era diferente. Beatriz Segall foi tão inteligente na sua criação, que acabou descartando todos os mecanismos que as atrizes costumam usar na composição de tipos assim. O resultado foi uma vilã assustadoramente verdadeira, não uma vilã de novela, mas uma vilã da vida. Seu autoritarismo, seu olhar, a intenção certa nas frases que dizia, tudo soava tão real que não duvidaria se algum ator da novela dissesse que teve medo ao contracenar com Beatriz. Ela soube fazer a leitura perfeita da personagem e deu aos autores os elementos necessários para que Odete Roitman se tornasse um ícone da tv.
Vendo as cenas de Beatriz, percebi que ela fez com Odete a mesma coisa que Paulo Gracindo fez com Odorico Paraguaçu e Regina Duarte fez com a Viúva Porcina. Eles criaram as personagens de tal forma, que não conseguimos imaginar outro ator ou atriz naquele papel. Qualquer um que aceite fazer o remake de um desses personagens terá pela frente um trabalho hercúleo e inglório. Não estou aqui duvidando do talento de ninguém, mas enaltecendo a força criativa desses três artistas. Paulo É Odorico, Regina É Porcina...e Beatriz Segall É Odete Roitman. Impossível que não aconteça essa identificação.
Eu tenho medo da dona Odete, mas é bom demais sentir medo dela!

6 comentários:

  1. Tô aqui opinando de gaiato no navio, que eu não tenho idade e nem vontade nenhuma de assistir Vale Tudo. Ativei o chato mode on, claro. ''Como não tem vontade de assistir Vale Tudo? Logo você, que gosta de novela? Um clássico da dramaturgia nacional!!", esbravejarão os noveleiros á minha volta. OK, OK. Eu respeito a obra do Gilberto, acho ele assustadoramente competente, genial dialoguista, reconheço todos os méritos de Vale Tudo e tsc tsc tsc

    Bom... essa looooonga introdução foi só pra dizer que se um dia eu vier a assistir essa novela, vai ser única e exclusivamente por culpa da dona Odete. Chega a impressionar esse olhar indefinível que ela nos lança (mesmo em fotos). As poucas cenas que vi não me surpreenderam (Beatriz é uma puta atriz e não uma atriz puta, como várias que temos por aí hoje em dia) mas me deixaram sem palavras. É coisa de detalhe mesmo. Uma frase, um olhar, um gesto e poooouf (!) ela toma conta de tudo, rouba a cena.

    Esse texto vai pra dizer que eu assino embaixo: também tenho medo da Odete. E de sua maravilhosa intérprete. Genial!

    desambiguação: (para que não haja controvérsias) o medo que dá é da assustadora competência da criatura, não aquele pavor since bruxa do João e Maria e/ou Chucky, o brinquedo assassino/Mascarado da Viagem que me fazia ir pra debaixo da cama, com os olhos esbugalhados, fazendo nas calças, aos quatro anos de idade.

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  2. É uma pena que ela não tenha feito algo tão reconhecidamente grande quando à Tia Odete... : / Ótimo post!

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  3. Odete Roitman, assim como Odorico Paraguaçu e Viúva Porcina, é daquelas personagens que é tão difícil de se ver hoje em dia, que sobrevive ao término da novela e continua na memória de quem viu [e até de quem não viu!]. Tem um ou dois que marcam, mas acho que não é a mesma coisa. De personalidade temível e terrível, não só disse a que veio como veio para ficar. Lembro até hoje que uma das minhas turma ainda na época de estágio chegou a lembrá-la numa das aulas em que estávamos estudando o uso de pronomes como "what" e "who" e saíram com essa: "Who killed Odete Roitman?"
    Será que daqui a 22 anos ainda vamos lembrar de um personagem dos anos 2000 da mesma forma que lembramos e tememos Odete até hoje?
    =**

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  4. O medo que tinha da Odete era tanto que cheguei a ter medo da Beatriz Segall, mesmo quando ela vivia a bondosa Paula, em Sonho Meu. Prova maior do quanto ela eternizou a vilã-mor de Vale Tudo, a ponto de comprometer sua própria imagem.

    Ótimo texto, pessoa. Parabéns! ;)

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  5. Babando com o seu texto! Genial! Realmente, Odete Roitmann foi uma feliz junção de fatores: genialidade de Gilberto Braga aliada à interpretação magistral e marcante de Dona Beatriz. Sim, Odette não é simplesmente uma vilã de novela, é uma vilã na vida e muuito longe de estereótipos e maniqueísmos. Assustadoramente humana e é exatamente isso que causa mais medo: ela é uma vilã possível. Parabéns pelo post!

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